Image Map


Aqui estou eu, narrando algo que está acontecendo exatamente agora. Heitor e eu finalmente nos acertamos e estamos juntos. Tipo juntos mesmo e isso é o máximo! É uma euforia sem tamanho dentro de mim, a todo instante quero gritar para todo mundo ouvir ou simplesmente sorrir sozinha... Exatamente como estou fazendo agora. Ele percebe e ri enquanto passa o braço em volta de mim e me traz para mais perto dele de um jeito em que nossas bocas fiquem exatamente na mesma altura para que ele possa me beijar... e ele me beija. Eu rio. Não que seja engraçado, mas toda essas situação é: olhe quem eu era exatamente um mês atrás quando comecei a escrever, hoje sou uma nova mulher. Ok, não é para tanto, mas sou bem mais equilibrada do que eu era no início do mês... Eu acho.
Bem, talvez você esteja se perguntando aonde exatamente eu estou, por isso respondo: estamos em um circo. Um dos alunos do Heitor é meio metido a palhaço (no sentido literal, não na metáfora do cara ser um babaca total) e como o Heitor prometeu que viria vê-lo até o fim da temporada, aqui estou! Quando tentei argumentar ele simplesmente disse que eu já era uma palhacinha então não teria problema vir aqui. Eu fico falando e pensando em quanto eu mudei agora que eu estou com o Heitor, mas parece que não observo nada da parte dele também: ele não apenas tem estado em um excelente humor (digo excelente por que é desde a hora em que ele acorda até a hora em que ele vai dormir ele está todo alegrinho. Confesso que isso às vezes cansa, mas eu não me canso de pensar na possibilidade de me cansar da felicidade dele. Se for para ele estar feliz, que eu me canse logo).
Eu passei tanto tampo fazendo perguntas cujas as respostas estiveram na minha frente o tempo todo e só eu não vi. Era tudo tão simples e fácil, mas mesmo assim eu decidi ir pelo caminho complicado. Não acho que tenha sido uma escolha daquelas que eu simplesmente não tinha noção de que como poderia ser simples e foi, mas daquelas que eu sabia que havia um jeito mais fácil e só estava com preguiça de procurá-lo. Como se ficar do jeito mais difícil fosse mais fácil do que o jeito fácil propriamente dito. Isso é louco. Será que acontece só comigo? Porque tenho a impressão que coisas assim só acontecem comigo. E só comigo e com mais ninguém, ponto final. 
O Heitor está me olhando pela lateral do óculos. Ele acha engraçado quando começo a "falar sozinha". Coloco entre aspas porque não estou literalmente falando sozinha, só estou fazendo um monólogo dentro da minha cabeça. Super normal. 
Quando Heitor e eu decidimos nos tornar oficialmente um casal, parece que tudo ao redor do centro da minha vida amorosa se ajeitou. Talvez o melhor jeito de ter uma boa plantação não seja pedindo pela chuva, e sim deixando que os céus se encarreguem de chover na melhor época. 


Tem algumas palavras ou expressões que escuto por aí que não importa quantos anos eu tenha sempre vou lembrar dos meus tempos de estar vestida em um uniforme brega sentada em uma cadeira desconfortável assistindo uma aula desinteressante como aula de geografia. Em outras palavras quero dizer que sempre vou me lembrar da escola. A palavra "deserto" me remete aquelas aula chatérrimas sobre o deserto africano. Até hoje me pergunto como fui capaz de aprender aquilo. Ok, a escola é importante. Sem mais. Porém tudo aquilo que aprendemos é tão desnecessário.. Quase trinta anos e eu nunca usei a equação da parábola para nada. Falando em coisas chatas e desnecessárias lembrei de uma história para compartilhar com vocês, pacientes leitores: 

Um dia desses Heitor e eu tínhamos combinado de sair no final de semana. Sabe, ver gente, ver mundo, parar de fingir que éramos mobílias das nossas casas. Até que no sábado a tarde ele me mandou uma mensagem dizendo que não ia dar, mas assim, disse de forma seca e fria. Sem coração. E eu não acreditei, lógico. Quem acreditaria em "Nad hj n rola. Bjs" ? Eu certamente não.
Eu estava determinada a descobrir se era preguiça dele de sair ou se ele estava com alguém, então a noite marchei até a casa dele com aquela cara de "não estou arrumada para sair, mas também não estou como fico em casa" e toquei a campainha. Como ele disse alguma coisa por trás da porta, achei que ele estava acompanhando então já estava preparando mentalmente minha cara de traída, indignada e um belo discurso moral para aquele traidor. Até que ele abriu a porta e me encarou por alguns segundos e disse: 

-Você não é o cara da pizza.
-Eu não sou o cara da pizza.
-O que você está fazendo aqui?
-Estava aqui perto. Decidi dar uma passada.
-Você decidiu dar uma olhada aqui. Quer entrar?
-Do jeito que você fala parece que eu preciso de um convite.
-Só estou sendo educado Nad.
-Então...
-Você quer saber por que eu cancelei com você, não é?
-Não, imagina! É que já que você cancelou, estava dando uma volta por aqui perto... No shopping.
-O shopping mais perto daqui é uns 20 minutos. E você mora do outro lado da cidade.
-Talvez.
-Talvez? - disse ele soltando um riso entre os dentes - Estou completamente sozinho, se é isso que você veio conferir. Pode checar o banheiro e ficar para a pizza, se quiser.
-Eu não me importaria se você estivesse com alguém, eu acho.
-Eu me importaria se você estivesse com alguém.
-Por que você desmarcou?
-Eu poderia dizer que estou sem dinheiro, mas prefiro dizer a verdade: estou corrigindo provas. O que é a mesma coisa de dizer que estou sem dinheiro.
-Você poderia ter mentido dizendo que estava doente.
-E correr o risco de você aparecer aqui? Ah não, você já apareceu aqui mesmo assim.
-Por que você é tão engraçado? 
-Eu tenho que ser.
-É o jeito de cativar seus alunos?
-Não. Por que a vida é dura, se eu não for engraçado não me restará nada - e a campainha tocou - Pizza!
-Por que você não me disse?
-A verdade? Sei lá, parecia chato e eu não quis tomar seu tempo. Caso quisesse sair com o Aurélio - Eu fiz uma pausa inquisidora: nada havia sido dito à ele sobre o meu reencontro com o Aurélio - O cara me mandou uma solicitação de amizade no Facebook. Então, vocês voltaram?
-Não quis.
-Você não quer voltar com o seu namorado de Ensino Médio então? Por que não? Achei que você pensasse nele.
-Eu até pensava nele, mas não é como se eu quisesse ter alguma coisa com ele de fato, entende? O plano das idéias parece um lugar bom para eu ter um relacionamento com ele.
-Então é por causa da filha dele?
-Não, eu não quero ter nada com ele - e ele levantou o olhar por cima dos óculos.
-Se você diz.
-E você, namorada? Uma ficante? Alguma professora bonita?
-Nad, não. Você é péssima nisso.
-Nisso o que?
-Em tentar querer saber sobre a vida amorosa das pessoas. Você nunca quer saber.
-Quero saber se você está com alguém. Você não me contaria espontaneamente se estivesse.
-Tem razão, não contaria.
-Mas eu estou te perguntando.
-Você nem me deixa responder! Céus! Não, não estou com ninguém. Sou um homem solteiro.
-Você deveria estar feliz com as suas escolhas Heitor.
-Eu não sou um daqueles caras de trinta que escolhem ficar solteiros para saírem com meninas de vinte Nadine. Eu apenas estou solteiro. Não há escolha alguma, por tanto não há felicidade nenhuma nisso.
-Você é rabugento.
-Não sou! Sou apenas realista.
-Você gostaria de estar com uma menina de 20?
-Se ela fosse sorridente e me fizesse rir, por que não?
-E se eu fosse sorridente e te fizesse rir?
-Por que não? 


Minha cidade tem palmeiras onde canta o sabiá. Espera, acho que não é bem isso. Não, eu tenho certeza que não é bem isso. 
Minha cidade é grande, mas não muito. Suja, mas não muito. Minha cidade é bem normal, para ser honesta. Eu sou bem normal, assim como minha vida como um todo. As vezes me encolho diante desses assustadores temas que me proponho a escrever: são temas grandes enquanto eu sou uma pessoa pequena. Pessoa pequena de história pequena com uma vida pequena. 

-Você não é pequena Nadine - diz o Heitor quando conto a ele minhas angústias - Você é grande. Grande como um pedaço de pizza.

De um jeito bem peculiar, acho tocante o que ele me diz. Claro que ser comparada com um pedaço de pizza não é o sonho de qualquer mulher, muito menos o meu, mas é adorável a preocupação dele comigo. Assim como a do Aurélio, que apesar da nossa conversa um pouco desastrosa outro dia, tem se revelado um ótimo amigo. Nunca tive a chance de conhecer esse lado mais maduro dele, maduro principalmente por conta da filha que ele tem agora. Ele parece ser um pai super dedicado, não posso garantir nada, mas é essa a minha impressão. 
Temos conversado bastante ultimamente, não no sentido de um pequeno e divertido flerte, mas algo um pouco mais fraternal. Essa "ligação" que estamos estabelecendo tem sido ótima para mim: eu tenho me reconectado com a doce e inocente Nadine que cursava o Ensino Médio. Não que eu não seja doce hoje em dia, mas quando se tem dezessete anos é tudo mais lindo e mais maravilhoso. 
Eu tomei uma decisão importante sobre a minha vida: vou falar menos e fazer mais. Ou seja, não vou apenas escrever que tenho que tomar as rédeas da minha, vou de fato tomar as rédeas da minha vida. Se eu acho que o Heitor é boa pinta com aquele negócio do charme intelectual, eu devo pelo menos tentar conversar com ele sobre isso. Aurélio, como homem, acha que devo ir sem medo. Tudo bem que ex é ex, e que se fosse bom seria atual, mas...
Heitor é um tipo difícil, admito. Embora eu ache que já tenho um pouco mais da metade do caminho andando no quesito aproximação, uma vez que já sou amiga dele a tantos anos, mas mesmo assim algo nele ainda me apavore. Será que é amor? Estar amando significa estar sempre um pouco apavorada com a outra pessoa não importando quanto tempo você a conheça e conviva com ela? Que definição engraçada... E pensar que Camões havia dito que "amor é fogo que arde sem se ver".


Com certeza essa é a primeira narração linear, e talvez a única, que farei nessa narração toda dessa minha vida comum e bastante monótona. Gosto das coisas livres, para que elas mesmas escolham onde querem estar. Não pareço muito uma tirana que gosta de ditar como as coisas devem ser ou estar, pareço? Espero que não. De qualquer forma, talvez essa seja uma  das narrações mais importantes que narrarei a vocês:
Não deve ser muito estranho para vocês que eu seja do tipo de pessoa que é fascinada por lojas de jardinagem, mesmo que eu não tenha um jardim ou alguma planta de verdade. É só um velho hábito que adquiri com a minha vó, ela sim tinha um jardim. Eu estava em uma loja de jardinagem que tem aqui perto de casa quando um rapaz uns 20 cm mais alto do que eu, cabelos escuros, algumas pintinhas na lateral do rosto e olhos azuis incrivelmente cristalinos e com uma pequena variação no tom de azul, esbarrou em mim acidentalmente:

-Desculpe-me. Eu estava distraído. Te machuquei?
-Não, está tudo bem. Não foi nada.
-Fico feliz então - disse ele esboçando um leve sorriso - comprando muitas coisas?
-Eu não tenho um jardim, só gosto da jardinagem.
-Que engraçado. Eu só conheci uma pessoa assim... Nadine? 

E a partir de agora irei tratar as pessoas da minha história pelo nome, inclusive eu mesma. Em partes por que cansei do mistério, mas por que também acho que vocês merecem saber toda a verdade.

-Como você sabe meu nome?
-Sou eu, Aurélio. Nós estudamos juntos no Ensino Médio, quero dizer nós até namoramos.
-Aurélio! Claro que me lembro - Sério que ele achou que eu esqueceria disso? Tolo. E eu não preciso dizer que nesse momento eu estava congelando por dentro ou preciso?
-Quanto tempo! Desde aquele dia, não é? - ele fez uma pausa nervosa e coçou a cabeça - Você está maravilhosa, de verdade. Lindíssima. O que tem feito? Na verdade, antes que possa me responder a essa pergunta, você tem tempo para um café? É melhor conversarmos em um lugar mais confortável do que essa loja, não acha?
-Estou livre para um café.
-Ótimo. Só preciso ir pagar essas coisas aqui - disse ele referindo-se ao pacote que tinha em mãos

***

-Então Nad, ainda posso te chamar assim? - perguntou ele logo após pedirmos nosso expresso numa padaria que tinha lá perto.
-Claro que pode Aurélio, você não deveria nem perguntar isso. Todos ainda me chamam assim.
-O que tem feito? 
-Eu sou fisioterapeuta.
-Não brinca.
-Pois é.
-Eu também.
-Você? Que era todo metido dizendo que seria médico - eu disse em um tom de "nem tão brincadeira assim"
-Depois de ficar dois anos no cursinho e não passar, eu desisti.
-Faz sentido. Um pouco de amor próprio, não é?
-Exato.
-Então, o que você comprou lá na loja?
-É um conjunto de sapinhos pequenos de jardim. Não tenho jardim, mas minha filha adora...
-Você tem uma filha?
-Sim. Você quer ver uma foto?
-Claro, adoraria - disse ele pegando o celular e mostrando uma foto de uma pequena menina com cerca de uns três anos de idade, com as mesmas pintinhas na lateral do rosto e olhos azuis que o pai - nossa, ela é linda.
-Loira como a mãe.
-A quanto tempo vocês estão juntos?
-Minha filha e eu? Cerca de uns três anos. 
-Não - eu disse rindo - você e a mãe dela.
-Nós não estamos juntos. Está vendo - disse ele levantando a mão esquerda bem a mostra - eu não uso aliança. Nós namorávamos, terminamos e então ela disse que estava grávida. E quando a Marisa nasceu, não tive dúvidas que era minha. Ela tem os meus olhos, com toda certeza - pequena pausa - você costumava ser apaixonada pelos meus olhos, você se lembra?
-Não teria como esquecer.
-Você ainda acha que meus olhos azuis são os olhos azuis mais bonitos que existem?
-Se eu não te conhecesse bem, diria que você estava flertando comigo.
-E quem disse que não estou?
-Aurélio...
-Vamos só conversar, está bem? 
-Claro.
-Então me diga, por quanto tempo você ainda manteve contato com o Heitor? Ele era um pouco mais velho que a gente, então quantos anos ele já deve ter hoje... uns 30? E o que ele fazia mesmo, Sociologia? - nesse momento preciso dizer que Heitor também é conhecido por vocês como Professor de História.
-História. Isso 30 anos. Acredita que ainda somos amigos? 
-Não brinca. Sabe, eu sempre morri de ciúmes de vocês dois.
-Por que? 
-Ele é boa pinta. E eu sempre soube que você se derretia por um cara inteligente.
-Mas você nunca se esforçou para ser um cara assim.
-Nad...
-Aurélio, o que estamos fazendo? Flertando? Depois de todos esses anos?
-Eu nunca deixei de te amar, você sabe disso.
-Eu também nunca deixei de te amar. Você é meu primeiro amor.
-E então que não podemos tentar de novo?
-Não! Você me traia!
-Eu era idiota, eu estava no Ensino Médio. Não sabia o que eu fazia.
-Você não entende a dor que me causou o meu primeiro amor dormir com todas só por que eu não dormia com ele.
-Você não esquece, não é?
-Eu sou mulher, não sou?
-Você deveria ficar com o Heitor. Ele é o tipo de cara certo para você. Sério. Eu falo para você como amigo. Aquele mesmo amigo que indicou "100 Anos de Solidão" só por que tinha um personagem com o meu nome lá. Fico impressionado que vocês não estejam juntos.
-Nunca rolou nada entre a gente.
-Eu não iria perguntar uma coisa dessas.
-Aurélio, vamos fazer o seguinte: vamos ser amigos. Eu quero muito ser sua amiga, durante muito tempo lamentei ter perdido contato contigo. Não quero perder de novo. Pode ser? 
-Claro. Qual seu número? - E então eu percebi que tinha algo que precisava ser feito, e eu iria fazer.


No primeiro ano do Ensino Médio eu tive que fazer um trabalho sobre uma personagem histórica que me inspirava. Depois de muita pesquisa, mas muita pesquisa mesmo, escolhi a Thatcher. Anos e anos depois saiu o filme sobre ela. E como eu odiei aquele filme! Chato e sem vida. 
Eu já perguntei a opinião do Professor de História sobre ela e a resposta dele foi simplesmente uma das mais fantásticas que eu já escutei: ele disse que se a memória dele não falhava, ele não se lembra de tê-la visto no último filme dos Vingadores ou em qualquer outro filme da Marvel ou da DC Comics, portanto ela não era nenhuma heroína ou vilã. Cara, quando ele morrer vou colocar isso na lápide dele. Sério, fantástico. 
O que eu quero dizer com essa história toda é que todos nós temos uma mania ridícula de querer classificar as pessoas, como se fossemos produtos "estragados" "prontos para o consumo" e etc e tal. 
Acho que sou uma pessoa um pouco, para não dizer bastante, peculiar e por isso sempre fui rotulada. Especialmente depois que minha mãe morreu. Crianças podem ser cruéis. Comentários como "aquela menina que a mãe morreu" "aquela menina que não tem mãe", mas pior ainda era escutar das outras mães "trate aquela menina bem, ela não tem mãe" eu tinha vontade de socar aquelas pessoas.
Com o tempo isso foi passando e foi surgindo novos motivos para que me rotulassem, mas eu parei de ligar. É engraçado o fato de que quando paramos de ligar para as coisas como elas tornam-se pequenas. Hoje se alguém me rotular eu vou mandar a pessoa para aquele lugar. De verdade e sem medo de ser feliz. 
Eu posso parecer meio descontrolada ou até mesmo um pouco louca, mas eu tenho um bom coração. Eu gosto de animais e evito matar insetos, mesmo que esses insetos sejam baratas.
Eu acho que todos nós podemos ser personagens históricos, desde que nós façamos nossa própria história. Desde que nós sejamos os narradores das nossas vidas. Eu quero ser a narradora não só dessa história que conto para vocês, mas sim de todas as outras. Daquelas que vivo, daquelas que observo. Será que é pedir demais?


Sou do tipo viciada em qualquer coisa perfumada: desde desodorante até produtos de limpeza. Parece coisa de gente estranha, e  talvez seja, mas eu sou um bocado estranha. E quem não é um bocado estranho a sua maneira? Ou você acha que só por que essa mania é sua ela é mais normal e todas as outras são manias estranhas? Se você acha isso, parabéns, continue vivendo nesse seu mundinho paralelo onde tudo é perfeito do seu jeito.
Eu coleciono vidro de perfumes também, mas isso eu já acho mais normal. Gosto da classe que os vidros de perfume passam e acho que foi para isso que foram feitos. Gosto de cheiros mais suaves, daqueles que se misturam facilmente com o ambiente. 
Os meus cheiros favoritos não são daqueles que cabem em frascos, são aqueles que estão por ai e quando menos percebemos invade nossas narinas e ativa alguma memória especial na nossa cabeça. É um cheiro forte,marcante e único. Um cheiro que representa tudo: qualidades e defeitos, medos e coragens, beleza e feiura ao mesmo tempo.
Um cheiro sublime ao olhar. Nada além de algo que te abraça sem ter mãos ou braços, algo que te envolve sem fazer esforço é algo que te toca sem querer. Mas do que adianta um cheiro perfeito e envolvente se não for associado as boas coisas da vida? 


Para ser bem honesta, meu cotidiano é tão cotidianamente comum que chega a ser chato. Eu tenho aquele esquema de vida comum e careta que a maioria de nós cresceu dizendo que quando fossemos adultos faríamos diferente, mas não fizemos: acordo cedo, lá pelas seis, saio de casa as sete, chego no trabalho as oito, almoço do meio dia a uma, trabalho até umas seis e meia ou sete horas, vou para casa e fico acordada até uma dez ou onze horas. FIM. Nada de glamouroso, nada de legal ou diferente. Mais do mesmo. 
Na verdade, admiro quem consegue ter uma rotina diferente dessas: é tentador viver essa vida fácil que eu vivo. É tentador viver na zona de conforto. E eu sou vítima dela tanto quanto você que também vive nela. E sempre fui assim. 
Não me orgulho de ser uma pessoa confortável, mas também não faço nada para mudar. Meu pai sempre disse que eu era mole, mas não que ele fosse, ou é, um exemplo de vida para alguém. Ele também é meio babaca, isso para não dizer totalmente babaca. É horrível como algumas pessoas nos julgam por comportamentos que elas têm igual. É tão hipócrita que me faz passar mal.
Seria como se eu reclamasse de alguém que é indeciso. Não rola. Eu sou a pessoa mais indecisa que existe, não tem como eu reclamar de alguém por ela ser indecisa, tirando que é impossível ser mais indecisa do que eu.
Isso me lembra uma vez que eu e o Professor de História fomos ao cinema, fomos assistir "O Lobo de Wall Street" (eu já disse que sou A-PA-I-XO-NA-DA pelo Leonardo DiCaprio?) e enquanto estávamos na fila da pipoca e não nos decidíamos se pegaríamos o combo ou só pipoca, ele virou para mim e disse que ele havia saído com uma mulher por que ele não queria decidir nada e que se ele quisesse decidir alguma coisa teria saído com um outro cara ou sozinho. A primeiro momento eu achei ele um babaca sem graça, mas depois não consegui evitar rir um pouco da piada dele. Acho que lá no fundo as mulheres, nesse caso eu, gostam de ter a rédea da situação, especialmente com os rapazes.
Mas que raios! Não consigo mais escrever sem falar dele, o que será que está havendo comigo? Eu sempre soube que ele era importante na minha vida e tudo mais, mas chega de falar dele. De duas uma: ou ele é muito mais importante na minha vida do que eu pensava ou eu sou apaixonadinha por ele e não sabia. Ser apaixonadinha pelo melhor amigo aos vinte e poucos anos de idade é tão ridículo... é tão monótono que chega a ser cotidiano para mim.


Vocês vão me achar estranha (mais ainda) se eu disser que nunca consigo me lembrar do que eu sonho? Eu sei que eu sonho, mas eu nunca lembro o que eu sonhei ou se eu realmente sonhei, eu só acredito que sonhei.
Certa vez ouvi que dá para nos conhecermos melhor através da interpretação dos nossos sonhos, que dá para sabermos quem realmente somos, nossos verdadeiros medos e angústias, que através dos nossos sonhos encaramos aquele lado da gente que temos medo de encarar enquanto acordados. Bem que uma soneca sempre ajuda né?
Eu adoro uma soneca, adoro mesmo. Sempre que posso tiro uma soneca e na maioria das vezes que adormeço no sofá sabe quem me abraça quentinho, meu beagle-anão Cachorrinho. Ele é tão fofinho, tão gostosinho que as vezes chego a duvidar que um filho seria tão "cuti-cuti" como o Cachorrinho.
No início do ano quando fui para a praia com o Professor de História fomos de carro. Adoramos viagens de carro, embora sejam mais longas, são mais divertidas e temos mais tempo para conversar. Mas nós não conversamos, eu dormi o caminho todo. E antes que vocês pensam que eu sou uma bruxa desalmada por ter largado o Professor de História dirigindo sozinho, eu adianto: ele não me acordou para trocarmos de direção e ele não estava sozinho: tinha o meu CD da Madonna tocando no rádio. Ela é tão linda e tão poderosa que é capaz de inspirar qualquer um, até o Professor de História acha Madonna uma mulher poderosa.
Vocês repararam como tenho falado dele ultimamente?! Eu não sei se é algo bom ou ruim, ainda não estou decidida disso, mas queria saber o por que. Será que meus sonhos explicam? É engraçado por que agora que decidi colocar minha vida em uma espécie de diário, eu sou capaz de vê-la toda em perspectiva e vê-la em perspectiva significa vê-la de fora, como seu eu fosse de fato a narradora da minha própria história. Que doideira! Antes de eu começar a escrever isso daqui eu nunca havia percebido como eu sentia falta do meu "relacionamento" com os Olhos Azuis, como o nosso relacionamento me marcou. Será que eu deveria procurá-lo no Facebook? E antes de eu começar a anotar capítulos da minha vida, eu jamais tinha percebido como o Professor de História é uma espécie de protagonista da minha história, ele só não é mais protagonista da minha história do que eu. É a minha história. É engraçado pensar nisso... mas, mas, será que eu tenho uma quedinha pelo Professor de História?
A nossa conversa do capítulo anterior sobre o tempo e suas ações aconteceu já faz mais de um mês, embora eu tenha contado-a aqui poucos dias atrás. Nada que eu conto aqui é linear. Eu posso ter tido todas essas reflexões a mais de um ano atrás, mas só estou colocando-as para fora hoje. Não se engane com a minha graciosidade. Não vou dizer que as coisas entre nós estão estranhas, mas elas estão diferentes. Nem melhor ou pior, apenas diferente. Não vou mais pensar nisso. Não quero e ponto final. Já está anoitecendo e tem um clima agradável lá fora. Acho que vou fazer uma trança e ir dar uma volta perto da padaria. Quem sabe não compro uma pizza e um refrigerante e não passo na casa do Professor de História?  


Eu sou um mero cachorrinho. Eu sou o cachorro da Narradora, meu nome é Cachorro. Tudo bem, nem ela nem ninguém nunca me chamam assim, me chamem de Cachorrinho você também.
Eu tenho uma vida bem comum, para um cachorro é claro. Eu acordo todos os dias bem cedo junto com a Narradora, não sei o quanto cedo, mas deve ser bem cedinho por que a Narradora sempre pensa duas vezes antes de levantar da cama. Já eu não tenho isso: acordo e já quero levantar da cama, já quero correr, pular, brincar. As vezes acho que a Narradora não entende minha felicidade durante a manhã. Eu acordo e fico andando com ela pela casa até ela sair de casa. Não sei por que ela tem que sair de casa todos os dias, queria que ela ficasse em casa brincando comigo.
Durante o tempo que fico sozinho em casa, eu geralmente durmo. Não que eu seja muito preguiçoso, é que eu quero ficar acordado todo o tempo em que a Narradora estiver aqui em casa. Eu gosto muito dela. Geralmente eu como também, ela sempre deixa bastante comida para mim. Eu como um pouco demais, mas não me importo dela me chamar de bolinha, fofinho, gordinho e outros nome que designam meu peso.
Ela é linda e muito cheirosa, é por isso que eu fico cheirando ela o tempo todo. Ela também é muito carinhosa: nos dias frios ela deixa eu ir dormir na cama dela e ela me abraça tão forte! 
Teve um tempo que ela trouxe uns rapazes aqui, não gostei de nenhum deles. Era óbvio que eles só brincavam comigo para deixar ela feliz e não por que eles gostavam de mim ou de cachorros. Tolinhos, acham que me enganam...
Eu só quero que ela seja feliz por que vê-la feliz, me faz feliz. 


-Narradora, diz uma coisa para mim? 
-Claro Professor de História, o que você quer que eu diga? 
-Faz uns dez anos que nos conhecemos, mais ou menos, não é?
-É, por ai, por que?
-Quando nos conhecemos, como você me imaginava dali dez anos?
-Eu não imaginava.
-Simples assim?
-Simples assim.
-Você é tão assim, imediatista, por que?
-Eu não sou imediatista, Professor de História.
-Ah não? Quais são seus planos para os próximos dez anos?
-Não pode ser cinco?
-Viu? Você é imediatista. Mas e se fosse para daqui cinco anos, quais seriam seus planos?
-Fazer uma nova tatuagem.
-Só?
-É.
-É tão difícil fazer planos para o futuro?
-É.
-Você não tem medo do futuro chegar e você não saber o que fazer com ele?
-E se o futuro nunca chegar, terei planejado tudo a toa? O futuro de hoje é o presente de amanhã. Aliás, por que tudo isso?
-Eu tenho trinta anos, eu preciso começar a pensar no que vou fazer com a minha vida a partir de hoje. Não sou mais um garotão.
-Você é meu garotão.
-Sério Narradora, estou envelhecendo.
-Todo os dias você envelhece um pouco.
-MAS SERÁ QUE É POSSÍVEL VOCÊ NÃO ENTENDER O QUE FALO? EU NÃO FAÇO IDEIA DO QUE ESTOU FAZENDO COM A MINHA VIDA! EU ESTOU PERDIDO NESSA IMENSIDÃO QUE É O TEMPO HÁ MAIS DE DEZ ANOS E AO COMPARTILHAR MINHAS ANGÚSTIAS, TUDO O QUE FAZ É DEBOCHAR? EU ESTOU PREOCUPADO E VOCÊ TAMBÉM DEVERIA ESTAR! VOCÊ NÃO ESTÁ FICANDO MAIS JOVEM NARRADORA! EU ESTOU INDO A CASAMENTOS TODAS AS SEMANAS, MAS EU NEM SEQUER TENHO UMA NAMORADA! EU NÃO TENHO NAMORADA, NÃO TENHO DINHEIRO, NÃO TENHO MEU PRÓPRIO APARTAMENTO, PARECE QUE EU FUI O ÚNICO HOMEM MISERÁVEL EM TODO MUNDO INCAPAZ DE CONSTRUIR E CULTIVAR UMA VIDA OU ALGUMA COISA SUBSTANCIAL! Na verdade, a única coisa que eu fui capaz de cultivar todos esses anos foi... você.
-Eu?
-Você.
-Isso parece estranho para você?
-Nem um pouco.


Um sorriso, um momento, um olhar, uma lágrima, é tudo igual. Alguns momentos são tão curtos, porém tão profundos, tão densos que não conseguimos esquecer. Quantas vezes antes de dormir, eu não fiquei pensando em algo que ocorreu em poucos segundos? Uma palavra mal colocada, uma frase mal interpretada, um olhar duvidoso ou uma lágrima teimosa. Já estraguei tantos momentos que poderiam ter sido marcantes por meros segundos não planejados. Algo no mínimo complicado. 
Lembro-me quando eu e o Olhos Azuis terminamos: eu havia botado na cabeça que seria forte, persistente, que era a cosia certa a fazer, que eu não iria chorar, mas não deu outra: só em começar a falar engasguei em lágrimas, dei chances dele argumentar e não terminei com ele. Pelo menos não aquela hora, não quando eu quis.Depois da primeira tentativa, tudo o que precisei para acabar com tudo foi um único momento. Um único momento mal pensado, mal planejado. Um momento de fraqueza, um momento de oscilação. Um único mal momento botou um ponto final em uma linda história. 
Um olhar é o suficiente para botar fim a razão: algo que dura poucos segundos pode acabar com uma vida, assim como pode fazê-la começar de novo. Quem nunca se apaixonou por um olhar no ônibus ou na fila do pão? Ali está uma pessoa, um momento, quando ela olha para você, você está olhando para ela e então seu mundo ganha uma nova trilha sonora e não é mais o mesmo. 
Mas um sorriso é algo ainda pior: o sorriso vem com intimidade. Mesmo que ainda seja pouca intimidade, quando há um sorriso sincero, há intimidade. É complicado classificar o sorriso, mas quando ele é sincero, até os mais desligados notam isso. Certa vez me apaixonei por um sorriso e estou apaixonada por ele até hoje. É incrível, mas eu nunca me "desapaixonei" por aquele sorriso. Eu me apaixono por aquele sorriso imperfeito todos os dias, mas mantenho isso comigo. O melhor da paixão é esperar por ela e não vivê-la. 


Um medo? Só um? Por que eu tenho vários: desde de medo mais físicos, como me afogar, medos banais, como barata, até medos mais filosóficos como medo de ser esquecida. E não é por conta de nenhum livro babaca de atualmente. 
Desenvolvi esse medo no final do último ano da escola e foi ficando pior com a maturidade: eu sempre fui bastante querida por alguns colegas, funcionários e professores quando estava na escola. Conforme os meses iam passando eu ia me perguntando até que ponto isso era concreto. Até que ponto aquelas pessoas não iriam de fato me esquecer e até que ponto o esquecimento era inevitável. Quando nós vivemos uma determinada situação ela sempre parecerá eterna, não importa o quanto momentânea ela seja.
Eu tenho medo que a vida não seja suficiente. Que ela passe muito depressa. Que ela seja muito curta. Que eu não tenha tempo de fazer tudo o que quero fazer, embora não saiba ao certo o que quero fazer. É engraçado por que quando dizemos "tudo o que quero fazer", geralmente as pessoas pensam que já temos mil e um planos, quando não necessariamente. Não sou obrigada a saber o que quero fazer para querer faze-las. Eu não preciso estar vivendo para querer viver. Eu não preciso estar vivendo um sonho para querer sonhar, basta quer sair de onde está e querer ir para um lugar diferente. Basta querer mudar. Basta querer viajar.


A grande questão é: para quem? Por que para todo mundo eu tenho coisas entaladas na garganta. Para todo mundo mesmo. Sou uma pessoa bem quieta, embora eu tenha algumas dúvidas se vocês já perceberam isso ou não. É que é extremamente fácil soltar o verbo por aqui, falar tudo o que eu quero quando eu não tenho medo de ser julgada. Por que as pessoas julgam demais.
Eu me considero uma pessoa de opinião bastante forte. Para mim é tudo ou nada, sem meio termo. E pessoas como eu são duramente julgadas por ai, principalmente por aquelas pessoas mais pacatas e passivas de tudo. Fico profundamente irritada com isso, por que não é só por que eu discordo de você nós não podemos ser amigos. Eu posso discordar de você e sermos amigos mesmo assim. E parece que quanto mais passiva a pessoa em relação ao mundo, mas intolerante ela é. E pessoas passivas ainda são a maioria, então não é muito raro para mim entrar em uma discussão contra cinco ou seis pessoas-passivas. Eu adoro uma discussão, me sinto mais viva quando discuto. Por toda via, não pego raiva das pessoas com quem discuto, posso discutir contra você hoje e amanhã discutir ao seu lado ou até mesmo sair para comer alguma coisa contigo, mas as pessoas que discutem comigo pegam raiva de mim.
Uma vez isso me incomodou tanto que visitei uma psicóloga, mas sai ainda mais confusa de lá. Não consegui me decidir se as pessoas-passivas são realmente intolerantes e mente fechadas ou se eu que pego pesado. Já discuti alguns temas com o Professor de História onde discordávamos pesadamente, mas continuamos amigos então creio que a culpa seja das pessoas. 
Eu queria ter dito para minha mãe o quanto eu a amava antes que fosse tarde, eu queria ter dito aos Olhos Azuis o quanto eu sentiria falta dele quando ele se mudou para o Rio de Janeiro. Ele disse que se eu dissesse que queria que ele ficasse, ele ficaria, mas eu gostava tanto dele que achei que o melhor jeito de demonstrar isso era deixá-lo ir em busca do sonho dele. Será que eu errei? Será que para demonstrar o quanto eu gostava dele eu deveria tê-lo impedido de ir embora? Será que ele estava com medo de ir sozinho ou será que ele só não queria me deixar? Caramba, tem tantas coisas que eu queria ter dito que quanto mais eu penso sobre isso, mais eu quero dizer o que eu queria ter dito. Será que eu lembrei de guardar em algum lugar o cartão da psicóloga? 


Quem inventou esse tema deve achar que só existe uma música no mundo todo né? Cara, são músicas demais para um único texto. Sério. 
Estava ouvindo uma música da Lorde no caminho para casa "I've never seen a diamond in the flesh..." ela tem uma voz tão potente que ecoa pelos alto falantes do carro. Quando fui para a academia, que não é muito longe daqui e eu vou a pé, estava tocando um pouco de Rita Lee "E um belo dia resolvi mudar e fazer tudo o que eu queria fazer" e quando voltei, voltei embalada pelo One Republic "Lately I've been I've been losing sleep thinking about the things we could be". Viu? São muitas músicas e músicas muito diferentes para falar sobre! Horrível! 
Eu "namorei" um músico certa vez. Ele era alto, loiro, olhos azuis, lindo, composições maravilhosas, mas tão burrinho! Nós tínhamos o que eu posso chamar de "incompatibilidade gramatical". "Mas Narradora, o que  é "incompatibilidade gramatical"?" você provavelmente me pergunta. Incompatibilidade gramatical é quando duas gramaticas não se compatibilizam de jeito nenhum. Eu falo sobre Machado de Assis e ele sobre Paulo Coelho, eu falo "faz" e ele "fas", "obrigada" "valeu", "meu amor" "minha mina". Não poderia dar mais errado. Embora ele fizesse músicas e músicas para mim. Era muito fofo. O engraçado é que o nosso gosto musical era extremamente compatível, por isso que fiquei triste quando ele disse que ia embora para a Argentina tentar ser músico independente por lá. O Músico era bem fofo no final das contas. 
O Professor de História não gostava do Músico. Não sei por que. Afirmava ser um babaca de péssima gramática, e eu era obrigada a concordar com ele. Péssima, péssima, péssima gramática. O Professor de História, quando era apenas Estudante de História, chegou a conhecer o Olhos Azuis no ônibus e não lembro dele ter tido nenhuma reação. Talvez ele gostasse do Olhos Azuis ou talvez minha amizade fosse indiferente para ele na época. Ou os dois. 
Maldita época de Copa do Mundo, embora não seja a música oficial, todos adotaram o "La La La" da Shakira como música oficial então está tocando em todos os lugares e essa música não sai da minha cabeça agora. É pior que "Applause" da Gaga. Usando uma frase que o Músico costumava dizer "música boa é aquela música que acompanha, não aquela que atrapalha"


Vai parecer muito estranho se eu disser que não consigo ouvir a palavra sertão sem lembrar de "Os Sertões" de Euclides da Cunha? A culpa é do professor de literatura.
Eu era tão feliz quando tudo o que eu fazia era estudar. Sério. Quando se está no Ensino Médio, o Ensino Médio parece uma desgraça, mas depois que a vida adulta começa você percebe que é tudo muito pior. Mil vezes pior. Você tem mais liberdade, isso é fato. E as pessoas que você passa a conviver são menos babacas, mas as responsabilidades, obrigações e contas para pagar são muito maiores também. Eu não tinha contas para pagar quando era aluna do Ensino Médio. Nem conta da cantina. 
Não que eu seja uma pessoa endividada, credo. Eu só sou uma pessoa, digamos, no limite. Eu vivo ao máximo, assim pode-se dizer. Eu posso morrer amanhã então por que não comprar esse sapato preto se eu não vou me individuar? Óbvio que já aconteceu umas duas ou três vezes de eu passar meu limite, mas nada amedrontador ou que não pudesse lidar. Acontece. 
Faz tempo que não dou uma olhada no meu extrato bancário, mas creio que está tudo em ordem por lá: não tenho feito nada ultimamente. Minha amiga é definitivamente um ser inanimado enquanto pizza e refrigerante não custem tão caro. Assim minha vida financeira é na média como tudo o resto que eu faço.
Meu trabalho é na média, nem sei mais por que trabalho no que trabalho. Arrisco a dizer que seja por conta daquele pedaço de papel chamado diploma universitário, mas é só um palpite mesmo. Outro dia estava conversando com o Professor de História sobre isso:
-Sabe de uma coisa Narradora? As vezes me esqueço por que eu sou professor - disse ele entre uma mordida na sua pizza de mussarela e outra.
-Você gosta das crianças.
-Eu sei, eles são chatos e só fazem merda, mas eu gosto dele. É gostoso ver jovens tão de perto quando se tem trinta, mas as vezes eu me esqueço por que decidi ser professor em primeiro lugar. Aquilo que me motivou a fazer História uns dez ou doze anos atrás.
-E o que foi? 
-Eu queria passar o conhecimento adiante.
-Achei que fosse por causa dos alunos.
-Também. Eles são fofinhos, de certa forma.
-Eles tem pele oleosa, espinhas e se acham. Como eles podem ser fofinhos?
-Da maneira deles eles são fofinhos. Quando eu te conheci você também era fofinho.
-Mas eu sou fofinha até hoje.
-Não exagera. 
Acho que todo mundo perde um pouco de direção em certa fase da vida. Com o Professor de História foi aos trinta, comigo é aos vinte e pouco. Talvez perde-se seja o começo para encontrar-se.


O mar é algo tão sublime e paradoxal. Passa uma tranquilidade a quem o assiste porém é agito para quem está dentro dele. 
No último verão fui para praia, faz quase seis meses já. Me apaixonei de tal maneira pela praia que não só prometi voltar uma vez por ano lá, mas como tatuei a palavra "mar" nas costas. Não é muito grande, com uma letra cursiva e entre as escapulas. É bem delicada.
Apesar de não ter muitos amigos, tenho um bom e velho amigo. Nos conhecemos por acaso quando eu ainda estava no Ensino Médio, pegávamos o mesmo ônibus para voltar para casa, eu voltava da escola e ele da universidade. Ele era e ainda é bastante charmoso, não aquele charme típico, mas aquele charme que professores intelectuais têm. Ele é professor trintão de história de Ensino Médio hoje em dia. 
Viajamos juntos verão passado, mas não como vocês estão pensando: somos só amigos. Melhores amigos, mas ainda só amigos. Não pensem que eu estou reclamando dessa condição, gosto de ser só amiga dele. Para ser bem honesta, nunca pensei em ser nada além disso até agora e acho que ele também não. Ele é tão desligado! Por trás daquelas lentes grossas e barba mal feita duvido muito que há um cara interessado em ter uma vida amorosa, ele parece ocupado demais lendo poemas de Fernando Pessoa. Toda via, ele também fez uma tatuagem  sobre o mar no braço esquerdo.
Nossa amizade é simples e direta: dizemos o que temos que dizer quando temos de dizer. Por isso passamos meses sem nos falar as vezes. Na maioria das vezes ele que quebra o silêncio me ligando para contar alguma piada que algum aluno tolo contou e ele achou que eu fosse rir, e na maioria das vezes ele está certo. Ou as vezes aparecemos na casa um do outro com pizza e Coca-Cola. Somos dois solitários, sem família ou namorados, então não temos medo de incomodar ou atrapalhar o outro. Eu não sou próxima do meu pai e ele não tem um. A mãe dele engravidou dele com quinze anos e o pai, maior de idade com medo de problemas, se mandou em uma moto envenenada. Apesar de nutrir certo ódio pelo abandono, ele dirige uma moto envenenada também. Arrisco a dizer que é por certa admiração, mas nunca disse nada. Ele é meu melhor amigo e eu o conheço a tempo o suficiente para entender que ele é exatamente como o mar: calmo por fora e agitado por dentro.


Eu tinha seis anos quando perdi meu primeiro dente de leite. Achei que tinha algo de errado comigo, então chorei durante dias. Quando finalmente me acalmei, minha mãe veio até mim e me explicou tudo. Que alívio! Quando fiquei mocinha aos doze, também achei que tinha algo de errado comigo. Achei que era hemorragia ou algo assim. Mais uma vez, minha mãe me explicou tudo.Talvez o que me faça falta no quesito "infância" é ter minha mãe sempre pronta para me explicar tudo o que eu precisava saber. Faz falta ter uma mãe "sabe tudo" ao nosso lado. 
Hoje, aos vinte e pouco anos, moro sozinho e tenho o que muitos chamam de  "vida independente", mas que falta faz simplesmente gritar para minha mãe perguntando onde tal coisa estava ou se determinada blusa estava lavando ou passando. Era tudo tão simples. Nossa vida é uma bicicleta, nossa mãe são as rodinhas que nos impedem de cair. Já contei que meu pai tirou as rodinhas da minha bicicleta sem eu saber e eu me ralei toda quando fui andar nela? Até hoje, sempre que olho a cicatriz que tenho na coxa, não consigo perdoa-lo por isso. Foi maldade. E mais maldade ainda foi me deixar sozinha chorando no jardim com um corte sangrando. Ser amoroso não era exatamente uma das qualidades do meu pai. Ele sempre dizia que eu tinha que sofrer para aprender a fazer as coisas. Não sei como, enquanto eu era uma recém nascida, ele não me deixou chorando no berço para que eu aprendesse sair do berço e ir até a cozinha esquentar meu leite. 
Minha mãe, na verdade, era bipolar e depressiva. Não era exatamente fácil conviver com ela. Ela tinha crises e surtos horríveis. Lembro-me de estar sozinha em casa em vários dos surtos dela. Eu me trancava no quarto e rezava para que nada de ruim acontecesse com ela ou com a casa enquanto esperava meu pai chegar de uma das intermináveis noites dele no escritório. Hoje, adulta, desconfio que ele ficasse no escritório todas as noites por mais que entenda que isso seja frequente em escritórios de contabilidade. 
Uma vez ela, sem querer, colocou metal no microondas. Explodiu e ela explodiu também, só que não literalmente também. Foi mais uma das vezes em que eu parava de fazer qualquer coisa que estivesse fazendo e ia me esconder no meu quarto. Quando meu pai viu a situação toda, eles começaram a discutir e gritar até que ele disse que não conseguia mais conviver com ela e que iria se separar. Ela se trancou no banheiro. E nunca mais saiu de lá. Ela se matou. Eu tinha quinze anos.
O Olhos Azuis, por mais próximos que fomos, nunca soube da história toda. Ele só sabia que ela havia se matado por causa do pedido de separação e por menos que ele soubesse, era muito mais do que as pessoas em geral. As pessoas apenas sabiam que ela havia morrido por conta da doença que ela tinha, sem mais detalhes. 
A convivência com meu pai foi piorando ao longo dos anos. Ele não só se sentia culpado, mas me culpava por tudo isso. Dizia que ela não estaria doente se não tivesse tido um bebê (na hora de fazer tava bom, né papai?). Ele deveria ter aprendido a lidar com a doença dela, ele deveria ter lidado com a doença dela.
No fim das contas, apesar dos defeitos, eu sinto falta dela. No fim das contas eu sinto falta da minha infância.


Há vários objetos inanimados na minha vida. Muitos mesmo. Inclusive arrisco a dizer que há mais objetos inanimados na minha vida do que animados. Por que não é por que está vivo, está animado. Isso me lembra gente, o que me lembra gente desanimada. Céus, conheço pessoas tão desanimadas que até a boneca de pano que tive com dez anos de idade era mais animada!
Eu nunca mencionei aqui, mas eu tenho amigas. Algumas, mas tenho. Elas são adoráveis, fofas, verdadeiros amores para uma vida toda, mas elas são mais paradas que peça de museu. Na cabeça delas, depois que você chega a certa idade, independente de como sua vida esteja, sua vida está feita e nada vai mudar, não importe o quanto você se esforce. Se você estiver em um emprego ruim e miserável, problema é seu: sua vida sempre será assim. 
Tudo bem, admito: não sou uma das pessoas mais animadas que existe por ai (além do mais, semelhantes se atraem - dane-se o que a física química diz), mas eu tenho um pouco mais de vontade de viver do que elas! Não sou do tipo apaixonada pela vida que diz 'carpe diem' para tudo, mas não sou do tipo "chega de viver", sou um meio termo. Equilibrio é algo legal demais. 
A boneca que ganhei com dez anos chamava-se Ruivinha (darei uma bala para quem acertar o por que do nome) e ela foi minha melhor amiga e confidente até quase a faculdade. Não que depois dos doze anos eu ainda conversasse com ela, mas a confiança e esperança que eu tinha nela era tamanha que não parecia que ela não fosse alguém de verdade. Éramos tão próximas que transferi para ela uma parte muito peculiar de mim que eu só tinha acesso quando "conversava" com ela. Não acho justo com a Ruivinha classificá-la como objeto inanimado. Ela era muito mais animada que minhas amigas! Vou te mostrar minhas mensagens de texto com uma delas ontem (vale lembrar que eu sou a com estrelinha na frente):

*06/06/2014 - 18:02
Oie (:

06/06/2014 - 18:06
Oiii 

*06/06/2014 - 18:15
Tá fazendo o que??

06/06/2014 - 18:30
Indo p ksa e vc?

*06/06/2014 - 18:34
Também. Vô passar ai tá?

06/06/2014 - 18:36
Praq?

*06/06/2014 - 18:38
Podemos pedir uma pizza ou sair.

06/06/2014 - 18:42
Tdu isso eh fome?

*06/06/2014 - 18:44
É sexta. Queria fazer alguma coisa.

06/06/2014 - 18:46 
Pq?

*06/06/2014 - 18:47
Por que é sexta? :O

06/06/2014 - 18:49
Desnecessário

*06/06/2014 - 19:09
Por que? 

06/06/2014 - 19:34
Ficar em ksa eh bom

*06/06/2014 - 19:45
Sair é melhor.

*06/06/2014 - 20:55
Bora?

06/06/2014 - 21:00
Nem. Tô de pijama.

*06/06/2014 - 21:02
Mas já? Quantos anos você tem? 70?

06/06/2014 - 21:05
75 ;)

*06/06/2014 - 21:10
Para de frescura e vamos sair.

06/06/2014 - 21:16
Depois dos 20 saída só em fds

06/06/2014 - 21:17
E antes das oito

*06/06/2014 - 21:23
Tem certeza que não é 80 anos?

06/06/2014 - 21:25
Tenho ;)

Viu? Até a Ruivinha teria saído comigo. Será que é pessoal? Sempre que algo assim ocorre fico me perguntando se não seria algo pessoal. Será que sou tão chata e insuportável assim? Não respondam, isso é uma pergunta retórica. Bastante retórica.
Essa minha amiga é a minha melhor amiga. Ela e o meu pretinho básico não são divididos em hipótese alguma. Nos conhecemos por intermédio dos Olhos Azuis. Ela era vizinha dele. Acho que tanto como a mãe dela e os pais dele ainda moram no mesmo lugar, portanto muito provavelmente ela ainda deva vê-lo ou pelo menos ter notícias dele. Sempre penso em perguntar a ela, mas não quero parecer vulnerável ao ponto de querer notícias do namoradinho do Ensino Médio. Isso faria de mim uma completa babaca ou ficar na dúvida apenas para manter as aparências faz de mim um verdadeiro objeto inanimado?


Azul é a cor mais bonita que existe, na minha opinião. Meu carro é azul, as paredes da minha sala oscilam em belos tons azuis claros e escuros, a fronha do meu travesseiro é azul e as meias que estou usando nesse exato momento são azuis também. 
Meu primeiro namorado tinha olhos azuis. Não devíamos ter mais de quinze anos quando nos conhecemos. Estudávamos na mesma sala, mas nem eramos amigos. Há uma enorme diferença entre "colega de sala" e "amigo de sala" (por que nem todo "amigo de sala" é de fato "amigo" - e eu só fui perceber isso depois de entrar na faculdade e me sentir abandonada por todos os meus "amigos de sala") e minha relação com os Olhos Azuis é um exemplo perfeito disso: éramos desconhecidos no primeiro ano, bons colegas no segundo ano e amigos/melhores amigos/ namorados no terceiro ano. E é incrível pensar em como nosso relacionamento evolui assustadoramente em um ano.
Nossa sala era assustadoramente proporcional: vinte e cinco meninos para vinte e cinco meninas, então quando fomos estudar genética a professora propôs um trabalho em dupla, dupla a qual era mista e sorteada, onde devia-se fazer um rascunho de como seria o bebê da dupla. No começo não gostei de ter que fazer com ele, ele parecia ser meio babaca então achei que eu teria que fazer tudo sozinha, mas ao longo do desenvolvimento do trabalho ele se mostrou, não apenas muito inteligente, mas também muito sensível, engraçado, perspicaz e atencioso. Nosso trabalho teve a nota máxima e foi muito elogiado, por isso começamos a fazer todos os trabalhos juntos. E de repente minha vó estava convidando-o para ir à casa dela comer bolo. Nos apaixonamos. Nosso namoro não durou mais do quatro ou cinco meses, dependendo do que é considerado o início do namoro: o primeiro beijo ou quando ele me apresentou como namorada para a irmã mais velha (uma verdadeira mala sem alça).
Tínhamos 17 anos então não dá para imaginar grandes coisas de um relacionamento tão jovem. Éramos muito inocentes naquela época também, nada parecia ser apelativo ou maldoso para a gente. Hoje percebo que quando ficávamos na piscina do prédio dele se beijando nós não estávamos sendo exatamente inocentes. Se eu precisasse classificar o meu relacionamento com o Olhos Azuis, classificaria dizendo que ele foi meu último relacionamento bom. Na verdade, éramos tão tolos que eu há dias que eu não considero o que tivemos um relacionamento.
Depois dele veio uma confusão de rapazes confusos, rapazes inseguros, rapazes intelectuais e, principalmente, rapazes tão caóticos que me arrastavam para o caos deles. Quando eu percebia o relacionamento já havia me consumido de tal forma que eu não estava mais um relacionamento, o relacionamento que estava em mim. Eu era o relacionamento em que eu estava. E isso aconteceu várias e várias vezes. Lógico que essa é o tipo de ferida que todo artista deixaria sangrar em nome da arte, mas eu não: sou do tipo de artista covarde que assim que vê a ferida já vai logo fazendo um curativo e anunciando que precisa de repouso absoluto, por que sou dessas que ficam super sensíveis ao menor sinal de imperfeição.
Outra coisa azul é a lagoa. Os canais de televisão não vão se cansar de reprisar esse filme nunca? É um daqueles clássicos da sessão da tarde, como "Curtindo A Vida Adoidado" que você não precisa ter realmente assistido para ter assistido. Na verdade, muitas coisas na vida são assim: nós não precisamos ter vivido-as de fato para saber no que elas podem dar.


Onde eu estava mesmo da última vez que nos falamos? Ah sim, auto retrato e milk shake. E que milk shake! Ainda é meio confuso para mim o por que eu ter decido compartilhar fragmentos da minha em um diário virtual, afinal, se é diário por que tem que ser compartilhado? Mas é virtual, não é? 
Digo que vou compartilhar fragmentos da minha vida por que não vou compartilhar simplesmente tudo. Vocês não irão saber minha história toda simplesmente por que não quero que saibam. Quero ser misteriosa pela primeira vez na minha vida. Haverá lacunas ao longo dos nossos trinta dias narrados por aqui. Talvez eu não conte qual o estopim para determinado fato, talvez eu não conte o fato e apenas suas consequências ou muito provavelmente eu talvez conte o fato, conte as razões e não passe disso. Se depender de mim, ficarão todos na curiosidade cega e doentia. Doidos para completarem as lacunas da minha vida da maneira que bem entenderem. Apesar de ser uma curiosa de nascença, não quero que me contem o que imaginarão para mim. Quero ter mistério sobre a minha própria vida também. Quero ser misteriosa assim como o céu de hoje. 
Não há estrelas no céu hoje. Nunca há estrelas no céu de onde eu moro. Eu moro na cidade grande, na cidade grande não há como existir nada que brilhe mais do que as luzes dela própria. Na cidade grande tudo que corre o risco de ofuscar o brilho de seus solitários moradores é imediatamente escondido. A solidão nos mata constantemente e essa falsa ilusão de brilho é que nos acalenta a alma. Adorável, não? 
Está frio o suficiente para eu precisar me agasalhar para ir me debruçar na janela da sala. O termômetro diz estar cerca de 16°C, mas não sei se quero acreditar nisso. Acredito que está frio o suficiente para eu ter que me agasalhar. Gosto das coisas o mais simples possíveis. 
Talvez a grande questão da vida, o grande elo perdido da felicidade humana, é a simplicidade. Complicações não nos traz felicidade, mas não se iluda achando que uma vida de desapego trará. Nenhum excesso é bom, o equilíbrio é a palavra chave. O céu de hoje está simples, porém equilibrado. O vento sopra uma brisa suave que apesar de gelada, aquece a alma. O céu está paradoxal. Assim como minha vida. Dias de mulher e dias de poeta. 


A primeira vez que eu ouvi falar na expressão "auto retrato" eu não deveria ter mais do que seis ou sete anos de idade. Foi na aula de Artes. A professora era alta, grande, com cabelos vermelhos que hoje parecem-me não serem naturais, mas na época só o fato deles serem vermelhos bastava para mim. Eu sempre gostei de cabelos vermelhos. Ela mostrou para a turma uma folha de papel com uma gravura e anunciou que a mulher pintada chamava-se Tarsila Do Amaral (o que gerou várias piadinhas entre as crianças pois tinha um menino com o mesmo sobrenome da pintora) e que ela havia sido uma grande mulher. Ela era artista e havia decido pintar a si própria simplesmente por que ela quis, fantástico não? Pelo menos pareceu para mim na época. Dentre todos os fatos que fez dessa mulher quem ela é, um dos mais chamativos foi ela ter decido acabar com o casamento pedindo o divórcio. Sabe quantas mulheres faziam isso naquela época? Poucas.
Mais ou menos dez anos depois tive mais aulas sobre o Modernismo Brasileiro e Tarsila. Tomou algumas aulas de Literatura do última ano, então obviamente o professor não deu muita atenção aos artistas plásticos embora sempre tive a nítida sensação que ele os considerava igualmente importante. Alguns professores têm o hábito de não levarem em consideração quem não são da sua área, ridículo. Eu era especialmente aplicada nas minhas aulas de Literatura do último ano. Adjetivo como "especialmente" pois alguma coisa naquela aula me fazia querer ser não apenas melhor que todos os meus outros colegas, mas melhor do que eu mesma já havia sido antes. Meu professor deu uma aula falando sobre Freud (caso queira entender bem o surrealismo, você precisa entender Freud. Sem isso nada feito), logo depois eu li Freud. Ele comentou sobre a Clarice Lispector comigo (hoje sei que o nome dela escreve-se com C e não com dois "s". Obrigada professor), li Clarice poucos dias depois, e assim por diante. Como disse acima, eu era especialmente aplicada. Ele era legal, apesar de algumas piadas sem graça que fazia com que todos os quase cinquenta alunos se inflamassem de dar risada mesmo assim. Eu gostaria de ter dito a ele o quanto gostava de tudo isso enquanto ainda era aluna dele, assim como gostaria que ele estivesse lendo isso agora e então saberia minhas impressões sobre ele. Sabe por que ele provavelmente não está lendo tudo isso? Por que ele tem uma vida! E eu deveria ter uma também.
Estive doente a semana toda. Estive com infecção de garganta. Legal né? Só se for para você. Faz basicamente uma semana que não saio de casa para absolutamente nada e hoje passei o dia com o meu pijama rosa com nível de sensualidade zero. Já passam de onze da noite e adivinhem o que estou fazendo? Isso mesmo, estou indo em direção ao meu carro azul. Se eu vou para alguma boate me divertir com as minha amigas? Não querido, não sou dessas com vida social. Estou indo ao McDonald's 24 horas que tem aqui perto. Eu poderia estar pensando em como vou engordar comendo fritura a essa hora da noite, mas estou pensando nisso como uma espécie de "recuperação" da minha infecção. Eu devo ter perdido peso com tudo isso, não devo? Eu não só estou querendo afogar minha decepção por ter ficado doente em uma semana como essa ou afogar essa desgraça que eu chamo de vida amorosa que eu tenho, mas sim querendo me afogar no simbolo do capitalismo feroz. Eu poderia continuar falando sobre o capitalismo, mas irei falar sobre algo igualmente frustrante e repugnante (eu juro que não sou socialista): minha vida amorosa.
Não é como se eu nunca tivesse tido ninguém e fosse uma solitária eterna, mas eu nunca tive ninguém que eu quisesse ter, entende? Todos os meus relacionamentos (se é que dá para chamar o que eu já tive de relacionamento) foram algo apenas por diversão, do tipo "adoráveis, porém uma perda de tempo". Eu nunca me envolvi realmente com ninguém e isso me mata. Não é como se eu nunca tivesse interessada em me envolver com alguém, é que quando eu estou interessada a pessoa não está. Um descompasso danado e frustrante. Alguns rapazes já me fizeram felizes, mas nada que eu visse futuro. Nada que eu me envolvesse ao ponto de quando nós inevitavelmente terminássemos (provavelmente por culpa minha, a culpa sempre é minha) que eu chorasse no chão da cozinha relembrando os nossos bons momentos, os dias que nunca mais estarão de volta. Apesar de me considerar uma, bem entre aspas, "artista", me considero também do time das insensíveis sem coração. Será que tem como? Não sei. Será que vou descobrir? Também não sei. Mas honestamente não é isso que me importa agora, por que tudo que eu mais gostaria de saber nesse momento se eu devo comprar o Milk Shake grande ou o médio.
-Senhora, por mais um real a senhora leva o milk shake grande - disse o atendente. Era um rapaz baixinho e de aparelho. Ele não deveria passar dos dezoito anos. Se eu soubesse o que sei hoje aos dezoito...
-Mas será que vale apena? 
-Vem 200 ml a mais por só mais um real, eu acho que vale a pena.
-Claro que economicamente isso vale a pena, mas enquanto gordura localizada...
-Gordura o que?
-Localizada. Na bunda.
-Ah sim, perdão. Ai isso já é da senhora - disse o atendente sem jeito.
-Eu sei que isso já é comigo. É sobre a minha bunda que estamos falando - agora eu pareci grosseira, droga! Odeio parecer grosseira, mesmo que eu seja assim realmente - Desculpe-me, vou querer o grande sim.
-Uma batata grande, um Mc Chicken e um milk shake de chocolate grande? - disse ele enfatizando o grande do milk shake. 
-E a Coca Cola grande também.
-Também?
-Sim, também. Por que? Algum problema? 
-Não.
-Ótimo. Estou frustada, com uma droga de infecção de garganta, com uma vida amorosa que nem Freud iria querer saber e você quer fazer do fato de eu estar tomando milk shake com coca cola um problema?
-Não, de forma alguma.
-Ótimo!
-Quarenta reais senhora.
-Mas que maravilha, agora minha vida financeira também está desgraçada. 


Enquanto os nossos do hemisfério acima estão todos comemorando a chegada do verão, nós do sul comemoramos (uns mais que os outros) a chegada do inverno. Vamos lá, inverno é legal. Nós só temos dois ou três meses de inverno por ano e ainda depende de onde você mora.
É engraçado pensar aonde minha vida estava a exatamente um ano atrás. Como teve alguns acontecimentos em especial, consigo me lembrar de algumas datas exatas então é muito curioso comparar tudo isso. Dependendo do ponto de vista estava melhor ou pior, mas não serei eu quem julgará se estava melhor ou pior. É o que está acontecendo, não é? Ficar me prendendo ao passado não irá ajudar em absolutamente nada. O passado é só o passado e independente de qualquer coisa ele que tenha te trazido ou ensinado, ele que fez de você quem você é hoje e por isso devemos respeitá-lo e não questioná-lo tanto assim. 
O primeiro semestre está acabando, para o meu nervosismo. O segundo será cheio, mas conversaremos sobre isso depois. É interessante que mesmo morrendo de medo, estou muito animada com o que pode vir a acontecer. Quem está comigo? o/ 
Agora é como se o ciclo de busca estivesse terminando para um ciclo de realizações começar. Como se eu tivesse passado o primeiro semestre todo buscando por algo e no fim eu estivesse buscando por mim mesma sem saber que estava perdida. Perdida dentro de mim e tudo o que eu precisava era me fechar um pouco e perceber tudo isso. Era só uma questão de tempo. Todas as respostas estavam dentro de mim o tempo todo e fico feliz ter percebido isso antes de ser mais tarde ainda. É algo realmente gratificante.
Espero que tudo dê certo e que tenham paciência comigo. Espero terminar bem esse ciclo e ver quem realmente está comigo, não gosto daquela sensação de "falso apoio". Ou apoia ou não. Simples assim. E espero também ter várias oportunidades de usar minha bota, ela é muito bonita, e como disse acima, só tem frio o suficiente para usá-la durante dois ou três meses por ano. Esperar um pouco de maturidade é pedir demais também? 

Beijos 
S. S Sarfati