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Eu caminhei em direção a porta e entrei. Senti o ar condicionado refrescar as minhas costas e o cheiro de livro novo inundar minhas narinas e me distrair do que seja lá o que eu estava pensando. Nada como o lar!
Não que eu saiba direito o que vim comprar, eu nunca sei. Acho que se tem algo que mudou em mim depois que comecei a faculdade foi que eu entro nessas livrarias grandes em busca de algo que me surpreenda e não em busca de algo simplesmente. 
Caminho entre as estantes enquanto aponto mentalmente para todos os livros que já li: "já li este, já li esse, já li aquele..." e sempre fazendo pequenos resumos mentais sobre o enredo, o autor, os personagens e, principalmente, se eu gostei. E eu não tenho gostado de quase nada ultimamente. Receio que chegue um dia em que eu leia pelo simples prazer de fazer uma crítica bem feita e construtiva.
Caminho entre as estantes de clássicos, não que eu seja do tipo de pessoa que acha que apenas os clássicos são bons, nem eu mesma leio sempre clássicos (até por que, vamos lá, ninguém vai ler Machado de Assis antes de dormir para relaxar), mas se são clássicos é por que tem algum motivo e o motivo não é difícil de entender: eles são realmente bons, mesmo que às vezes não sejamos capazes de entender isso. 
É difícil explicar isso para os meus alunos de Ensino Médio, especialmente se eles não estão muito afim de entender. Desculpem-me, mas John Green não é o escritor do século e nunca vou engolir isso, não na minha sala de aula. Acho que a parte mais difícil de ser professor é entender que nem sempre é uma questão do aluno querer ou não aprender alguma coisa que eu tenho a ensinar, é entender que nem sempre o aluno vai aprender aquilo que eu tenho para ensinar da maneira que eu queria que ele aprendesse. Eu nunca aprendi matemática do jeito que eu deveria ter aprendido (eu somo nos dedos até hoje).
Apesar de, mesmo que raramente, encontrar alguns alunos dormindo no fim da minha aula (quem pode culpá-los? Trovadorismo é algo que dá sono até mesmo para eu que sou professora), eu gosto do que faço. Lá no fundo gosto de pensar que eles escutam alguma coisa que eu digo.
Continuo caminhando entre os clássicos enquanto aponto para os livros que foram os assuntos da minhas últimas aulas. Entre uma estante e outra há uma dupla de meninos que não devem passar dos dezesseis ou dezessete anos e que não me parecem estranhos. São meus alunos, se eu ao menos conseguisse lembrar seus nomes...

-Cara, tô te falando é esse livro.
-Não cara, o livro tá na tua mão então é 'este livro'.
-Cara, você acha que eu me importo? 
-Você está se importando com o livro que ela falou na última aula.
-Livros são diferentes de conjunções.
-O nome disto é pronome.
-Tanto faz. Você acha que é este?
-Eu acho que é aquele outro.
-Mas este aqui é o que ela disse que foi o marco da geração.
-Qual marco de qual geração?
-Sei lá cara, eu não me lembro dos detalhes! Eu nunca fui muito bom com detalhes.
-Só com os detalhes das minas. 
-Ai é diferente - disse o menino loiro folheando o livro - mas isso daqui parece tão difícil de ler e quando a professora fala parece tão legal. Tipo o livro da última prova.
-Você leu?
-Li sim.
-Mesmo?
-É.
-Mas você tirou três e valia dez.
-Nunca fui muito bom com provas. Me atrapalho com o espaço das questões.
-Você já pensou em fazer lição de casa?
-Não cara, cê tá louco? Mais fácil eu construir uma canoa e passar a vida lá do que fazer a lição de casa.

Eu sai andando e parei de escutar a conversa dos dois meninos, nunca vou saber se eles levaram ou não o livro ou de qual livro se tratava. Talvez eu devesse perguntar a eles na próxima aula ou talvez eu vá, secretamente torcer que um deles, ou até mesmo os dois, venham me contar que leram o livro e e o que acharam. Embora eu não consiga me lembrar dos nomes (sou péssima com nomes), lembro-me de vê-los meio sonolentos durante as minhas aulas algumas vezes. Lembro-me também, ainda que de maneira equivocada, me perguntar se eles não se cansariam nunca de desprezar minha aula. 
Eles podem não ser do tipo de aluno que todo o professor sonha, mas podem ser os professores que todos os alunos sonhem. Não que eles necessariamente vão entrar em uma sala de aula e fazer o que faço, mas, da maneira deles, eles aprenderam tudo o que acharam necessário e sei que daqui para frente vão professar isso por aí. Bem, acho que meu trabalho está feito.



Feliz dia dos professores à todos aqueles que, assim como a narradora do texto, se dispõem a tentar nos ensinar alguma coisa do muito que eles sabem.
Beijos
S.S Sarfati

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